8.9.05

Democracia na actualidade

Ensaio sobre o Liberalismo
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(Brasil)
DEMOCRACIA
O MELHOR DOS REGIMES, UMA EXCEPÇÃO NA HISTÓRIA UNIVERSAL
Por Sérgio Amaral e Silva

A democracia pode ser definida como um regime em que o povo escolhe livremente seus governantes, os quais, por sua vez, respeitam os direitos individuais e humanos. Em especial para as gerações de brasileiros mais jovens, que pouco se lembram do país antes de 1985, ela (felizmente) parece um fenômeno tão natural que a constatação de como é recente chega a surpreender.

Em 26 séculos de História do Ocidente, localizamos dois breves momentos de democracia: na Antiga Grécia, por dois séculos; e nos últimos dois séculos no Ocidente moderno. Só quatro em 26! Já nos 500 anos do Brasil, só podemos identificá-la em cerca de 60 anos, intercalados por períodos de arbítrio durante nossa República.

Parece pouco? E é mesmo: estima-se que, da população mundial atual, só 20% vivem em países democráticos. Ou seja, a democracia, em que as regras fixas e universais devem prevalecer sobre a exceção, constitui, no tempo e no espaço, mais a exceção do que a regra...

Mais do que nunca (ou como sempre?), o tema está na ordem do dia. Portanto, é oportuno o lançamento de Democracia, volume em que o historiador norte-americano Robert Darnton e o cientista político francês Olivier Duhamel reuniram ensaios curtos sobre o tema de 48 autores dos dois países, que participaram de uma série de programas exibidos em 1998 pela televisão na França.

Os textos estão agrupados em cinco blocos. Nos três primeiros (história, idéias e instituições), enfatiza-se a evolução da noção de democracia da Antiga Grécia e do Iluminismo do século XVIII aos nossos dias. São discutidos ainda os principais elementos de que se compõem os regimes democráticos: os direitos fundamentais, as eleições e os partidos políticos, as leis e a justiça.

Os dois últimos segmentos da obra, dedicados aos problemas sociais e desafios, trazem os temas mais polêmicos e interessantes. Como cada tópico é desenvolvido em separado por um autor dos Estados Unidos e outro da França, é estabelecida uma espécie de diálogo que ressalta as particularidades de cada sociedade. Assim, o racismo é analisado pelo americano Randall Kennedy do ponto de vista da oposição entre negros e brancos. Já para o europeu Michael Löwy, o foco mais importante está na xenofobia.

Sobre a corrupção, Diego Gambetta (que apresenta um ranking dos países em que ela é mais presente) e Alain Etchegoyen concordam com Alexis de Tocqueville (1805-1859), o célebre autor do clássico A Democracia na América, que afirmava que o melhor remédio para os males da democracia é...
mais democracia.

Ao discutirem o papel dos meios de comunicação, Elihu Katz e Roland Cayrol propõem uma pergunta/enigma curiosa para o leitor: se os meios de comunicação podem subverter a democracia a que deveriam servir, inclusive por privilegiar o espetáculo em detrimento das "questões reais".

A respeito dos regimes antidemocráticos do Oriente Médio, vistos como um desafio mundial, principalmente depois do 11 de setembro, Shaul Bakhash considera que o retorno ao discurso religioso na região veio como resposta ao "esgotamento de governos opressores e corruptos". A renovação do islamismo seria assim "a expressão das injustiças, da miséria urbana e da exclusão".

Outro autor, Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, discorda da existência de uma dicotomia cultural global capaz de explicar o caráter ainda não-universal dos direitos humanos. Segundo essa teoria, que ele classifica de "a-histórica", enquanto o Ocidente valoriza a tolerância e a liberdade individual, o Oriente só respeita a ordem e a disciplina.

Dadas as diferenças entre as nações, é fundamental a atuação de instituições internacionais como a ONU, para "organizar o mundo". Para isso, esses organismos devem aperfeiçoar-se, ganhando em eficiência e legitimidade, concluem Stanley Hoffmann e Marisol Touraine.

Feita essa ampla reflexão sobre a democracia, cabe a cada um o empenho para aprofundar cada vez mais suas conquistas. No Brasil, por exemplo, ela exigiu muito sacrifício, sendo preciso neutralizar as mazelas que ainda a ameaçam, para oferecê-la, aprimorada, a nossos filhos. Quanto aos povos que ainda não a alcançaram, merecem nossa solidariedade. Afinal, como costumava dizer Winston Churchill (1874 -1965), "a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas".

Sergio Amaral Silva é jornalista, economista e escritor.
(revista Storm)

24.8.05

FOGOS

Fogos em Portugal: vandalismo e sabotagem

O nosso património florestal (e não só) está definitivamente ameaçado -- vai desaparecendo todos os anos. A recuperação desse património é uma corrida contra o tempo, com a anualidade dos fogos no país, especialmente tendo em conta os fogos de há dois anos. São duas décadas incomparáveis em Portugal. Continua o sofrimento das populações afectadas pelos fogos. Até agora não tem sido possível ao Estado controlar esta situação. Se há determinados assuntos em que os nossos políticos têm contribuído activamente para a imagem negativa da classe, este é um deles. Governantes e deputados não têm querido tratar esta questão com a importância que reveste. Perante o vandalismo, a sabotagem e principalmente, perante a perda de vidas humanas (tantas e inocentes), preferem minimizar o problema, pois sentem-se impotentes para o resolver, numa hipocrisia intolerável. Até quando?!

A questão dos fogos é evidentemente complexa. Mas não há dúvidas que, se ela subsiste nos termos actuais, há interesses velados que a alimentam. No entanto, não é assim tão difícil identificar esses interesses. Difícil tem sido o Estado actuar.

Aqui fica um artigo, entre tantos já publicados, esclarecedor.


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A indústria dos incêndios

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.

Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica? Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências? Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair? Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis? Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.

Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...

Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.

Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.

Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:

1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.

2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).

3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores

4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.

5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.

6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.

Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.

José Gomes Ferreira
(Sub-director de Informação da SIC)

Publicação: 04-08-2005 21:05

10.8.05

Leituras

Leituras

"Algarve - Todo o Mar"
Poesia. Editora: Dom Quixote. Data: 2005. Páginas: 408.

Os poetas cantam o Algarve.
Porque “o Algarve é todo um lindo minarete /
Sobre o mais belo dos Mediterrâneos” (Cândido Guerreiro).

Pelo “mistério do mar e o milagre do sol” (Miguel Torga).

Porque “ das dunas desertas tem a perfeição, /
dos pombos o rumor, /
da luz a difícil transparência /
e o rigor” (Eugénio de Andrade).

Pela “Alegria de ir ver o êxtase do mar” (Sofia de Mello Breyner Andresen).

Porque “fulgente e trémula, se espraia /
No areal dourado, a comoção das ondas”
e “há mouras encantadas, que ressurgem /
da fantasia mítica do povo” (Teixeira de Pascoaes).

Porque “as Hespérides são moças algarvias /
Todas jasmim, da testa aos calcanhares” (Natália Correia).

Porque se “vêem as estrelas enormes reluzindo através das amendoeiras” (Raul Brandão).

A presente recolha de Adosinda Providência Torgal e Madalena Torgal Ferreira reúne poemas e textos em prosa de alguns dos mais significativos autores portugueses dos séculos XIX e XX inspirados por um Algarve idílico, anterior à descaracterização a que foi, em grande parte, sujeito nas últimas décadas. Para ler e reler. Com nostalgia.

24.7.05

Jean-François Revel

Ensaio sobre o Liberalismo
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Como Terminam as Democracias
Uma crítica actual aos órfãos da Praça Vermelha
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Seria salutar nestes tempos de cinismo socialista, lembrar os defensores do estatismo colectivista que foram eles os responsáveis pelas desgraças que se abateram sobre a Humanidade no século XX. Os socialistas e não os liberais foram os responsáveis por todas essas desgraças. Seria bom lembrar, desde logo, que os totalitarismos do século XX tiveram uma única fonte: o colectivismo socialista. Dessa raiz provieram as grandes ideologias que alimentaram o totalitarismo. O nacional-socialismo alemão não era nada mais do que uma forma nacionalista de socialismo coletivista. O mesmo podemos afirmar do fascismo de Mussolini. Os restantes intentos socialistas estão aí, com a variada gama de micro-modelos marxistas-leninistas, responsáveis pelas maiores massacres do século XX, como muito bem ficou ilustrado no livro de Stéphane Courtois, Nicolas Werth e outros, intitulado “O livro negro do comunismo”, já editado entre nós.
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Jean-François Revel (n. 1924), da Academia Francesa, é um dos mais lúcidos críticos liberais do estatismo na tradição política do seu país e na actual conjuntura internacional. O seu grande mérito consiste em lembrar a opinião pública dos riscos do colectivismo socialista, bem como do cinismo dos seus arautos. Revel é autor de clássicos do pensamento político como “Nem Marx, nem Jesus” (1970), “A tentação totalitária” (1976), “A nova censura” (1977), “Como acabam as democracias” (1983, obra vencedora dos prémios Aujurd'hui e Konrad-Adenauer), “A rejeição do Estado” (1984), “O terrorismo contra a democracia” (1987), “O conhecimento inútil” (1988, prémios Chateaubriand e Jean-Jacques Rousseau), “O reencontro democrático” (1992, prémios Ville d'Ajaccio e Mémorial), “O absolutismo ineficiente”, ou “contra o Presidencialismo à moda francesa” (1992) ou Final do século das sombras (1999), bem como uma obra-prima de crítica à ideologia socialista: A grande parada: ensaio acerca da sobrevivência da utopia socialista (Paris: Plon, 2000, 344 ps.), e o último “A obsessão anti-americana” (Paris, Plon, 2002). O seu penúltimo livro causou polémica nos meios intelectuais do Velho Mundo e é, com certeza, a par do seu livro sobre o anti-americanismo, em decorrência da denúncia que o autor faz da capacidade que os defensores do socialismo têm para encobrir a realidade com o véu da ignorância, em que pese o facto de o mundo comunista ter desabado no leste europeu há mais de uma década. A França, aliás, é caracterizada por Revel com palavras que poderiam muito bem ser aplicadas a Portugal: "Devo dizer que, entre os países que sempre escaparam do comunismo mas onde a ideologia totalitária permanece forte, tanto no debate das ideias quanto pelo seu peso na prática política, a França ocupa um dos primeiros lugares, senão o primeiro. Ela constitui na Europa uma espécie de laboratório de ponta na produção das espertezas serôdias destinadas a rejeitar ou a tornar inócuas as lições da experiência, ou a adoptá-las com um atraso e uma má vontade tais que terminam por volatilizar os benefícios da aceitação da verdade" (p. 31/32). O autor retoma, assim, a crítica feita por Tocqueville, em O Antigo Regime e a Revolução, à capacidade mistificadora dos filósofos franceses, que no final do século XVIII substituíram alegremente o conhecimento da complexa realidade social por fórmulas gerais e simplórias, fáceis de serem vendidas ao povo nos panfletos e nas tribunas. A consequência dessa insensatez é por todos conhecida: a guilhotina e o terror jacobino, de que foram vítimas os próprios ideólogos do caos. Em 14 contundentes capítulos Jean-François Revel desossa, com precisão cirúrgica, o cadáver do dinossauro retórico com que os intelectuais socialistas têm tentado, ao longo do último decénio, dar vida ectoplasmática ao apodrecido paquiderme do socialismo real. O cerne da ressurreição ideológica da utopia socialista pode ser resumido, segundo a exposição de Revel, nas seguintes considerações:
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1) Já que o socialismo totalitário de carne e osso está morto e sepultado pelas suas antigas vítimas no leste europeu, os intelectuais ocidentais defensores desses ideais, em lugar de reconhecerem a falência do arquétipo dos seus sonhos, passaram a dar-lhe vida utópica, afirmando que se o comunismo tinha desaparecido da Europa, morreram com ele também as esperanças da humanidade de ver concretizada a justiça social.
2) Para esses intelectuais, já que a retórica liberal se estruturou, ao longo do século XX, em contraposição ao comunismo, desaparecido este não faz mais sentido mantê-la.
3) Responsável fundamental pela pobreza dos países do leste europeu e do terceiro mundo é, segundo os socialistas pensantes, o capitalismo e a sua superestrutura ideológica, o liberalismo.
4) O binómio capitalismo/liberalismo também é, para eles, o responsável pelo fim dos anos dourados do welfare state na Europa Ocidental e nos Estados Unidos.
5) A “inteligentsia” socialista é, no mundo globalizado por obra e graça do demónio capitalista, a portadora da única mensagem de esperança para a Humanidade no novo milénio; a sua pregação consiste em afirmar que o comunismo é a etapa suprema da democracia.
6) Posto que os Estados Unidos são o grande motor do capitalismo mundial, parte essencial da pregação dos novos messias consiste em denegrir a imagem dessa sociedade alimentando o espírito anti-americano.
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Embora seja bastante simplório o arrazoado dos intelectuais socialistas, a desinformação por eles propalada, no sentir de Revel, tem conseguido ocupar espaços na imprensa e estender um cordão de isolamento contra aqueles que ousarem divergir do seu ponto de vista. O próprio Revel confessa ter sido vítima, em França e nos Estados Unidos, da “censura” ideológica dos órfãos da Praça Vermelha e daqueles que, não sendo socialistas militantes, sentem-se contudo presos pelo imperativo categórico do politicamente correcto.
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Esse facto constitui, no sentir do autor, uma prova da lentidão do progresso da liberdade de espírito no mundo contemporâneo. "Uma grande parte de intelectuais, frisa Revel, persistem em perguntar-se, antes de mais nada, não o que devem pensar, mas o que se vai pensar deles" (p. 54). Esta situação constitui, a meu ver, uma verdadeira inversão da ética de convicção weberiana que deveria animar o intelectual, defensor antes de mais nada da verdade custe o que custar, sem esperar pelos aplausos da plateia. Ou melhor, estamos diante de uma inversão dos papéis com o político, que deve agir calculando os resultados da acção.
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Isso não quer dizer que a política tenha permanecido estática. A política mudou, e está a mover-se na direcção correcta. Na década de 90, as tarifas diminuíram, e permaneceram mais baixas do que eram anteriormente. Entretanto, tem havido um enfâse excessivo nos consumidores nacionais em detrimento do ímpeto contínuo necessário para realizar a integração bem sucedida dos mercados mundiais. Parte disso foi consequência natural das taxas de câmbio que permaneceram com tendência para a sobrevalorização em vez de a subvalorização.
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Jean-François Revel parte para desmascarar a falsidade do discurso ideológico da esquerda, explicitando, em primeiro lugar, os seus interesses e, em segundo lugar, mostrando quem foi que resolveu em França a questão social. No que diz relação ao primeiro ponto, Revel escreve: "A defesa de estatutos protegidos e, digamo-lo claramente, o reforço dos privilégios, converteram-se nas principais causas do que a esquerda ousa ainda chamar de movimentos sociais, que na verdade não são mais do que anti-sociais" (p. 54). Quanto ao segundo ponto, Revel não duvida em afirmar que foram os liberais os que em França enfrentaram e equacionaram a questão social, no século passado. A respeito, afirma: "Dezenas de anos antes da aparição dos primeiros partidos comunistas, foram os liberais do século dezenove os que colocaram, antes de qualquer um, o que se chamava então a questão social e responderam-lhe, elaborando muitas leis fundadoras do direito social moderno. Foi o liberal François Guizot, ministro do rei Luís-Filipe que, em 1841, fez votar a primeira lei destinada a limitar o trabalho das crianças nas fábricas. Foi Frédéric Bastiat, esse economista genial que hoje seria alcunhado de ultraliberal desenfreado, que em 1849, sendo deputado na Assembleia legislativa, interveio precursoramente na nossa história para formular e exigir que fosse reconhecido o princípio do direito de greve. Foi o liberal Émile Ollivier que, em 1864, convenceu o imperador Napoleão III de abolir o delito de coligação, (associação), (sindicalismo), (ou seja, a proibição que impedia os operários de se agruparem em defesa dos seus interesses), abrindo assim o caminho para o futuro sindicalismo. É o liberal Pierre Waldeck-Rousseau que, em 1884, no início da Terceira República, fez votar a lei que reconhecia aos sindicatos a personalidade civil. Permita-se-me sublinhar a seguinte lembrança: os socialistas da época, de acordo com a sua lógica revolucionária (bem anterior à aparição do mais pequeno partido comunista) manifestaram uma violenta hostilidade contra a lei Waldeck-Rousseau" (p. 48).
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O remédio para as trapalhadas socialistas é simples, mas deve ser corajoso e rápido. No sentir do autor, a única atitude válida é a integridade moral dos intelectuais sensatos para denunciar, sem temor, essa tentativa de estelionato utópico, à maneira como Benjamin Constant de Rebecque pôs a nu, no início do século XIX, os doidos e proto-socialistas arrazoados de Rousseau em política e em economia, ou seguindo as pegadas de Tocqueville na defesa incondicional e constante da liberdade ameaçada pelo igualitarismo estatizante. (...)
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(Jorge Pereira da Silva)

23.7.05

Karl Popper

Ensaio sobre o Liberalismo
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Karl Popper Karl Raimund Popper (28 de Julho de 1902 - 17 de Setembro de 1994), foi um filósofo da ciência, nascido na Áustria e naturalizado inglês. É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura considerável, um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do autoritarismo.
Ele é talvez melhor conhecido pela sua defesa da falseabilidade como um critério da demarcação entre a ciência e a não-ciência, e pela sua defesa da sociedade aberta.

Falseabilidade é um conceito importante na filosofia da ciência (epistemologia). Para uma asserção ser refutável ou falseável, em princípio será possível fazer uma observação ou fazer uma experiência física que tente mostrar que essa asserção é falsa.
Por exemplo, a asserção "todos os corvos são pretos" poderia ser falsificada pela observação de um corvo vermelho. A escola de pensamento que coloca o ênfase na importância da Falseabilidade como um princípio filosófico é conhecida como o Falseabilismo.


A falseabilidade foi desenvolvida inicialmente por Karl Popper nos anos 30 do século XX. Popper reparou que dois tipos de enunciados são de particular valor para os cientistas. O primeiro são enunciados de observações, tais como "este cisne é branco". Na teoria da lógica chamamos a estes enunciados enunciados existenciais singulares, uma vez que afirmam a existência de uma coisa em particular. Eles podem ser analisados na forma: existe um x que é cisne e é branco.
O segundo tipo de enunciado de interesse para os cientistas categoriza todas as instâncias de alguma coisa, por exemplo "todos os cisnes são brancos". Na lógica chamamos a estes enunciados universais. Eles são normalmente analisados na forma para todos os x, se x é um cisne então x é branco.
"Leis" científicas (mais correctamente chamadas teorias) são normalmente tidas como sendo desta forma. Talvez a questão mais dificil na metodologia da ciência é, como é que podemos chegar às teorias partindo das observações ? Como podemos inferir de forma válida um enunciado universal a partir de enunciados existenciais (por muitos que sejam) ?
A metodologia inductivista sopunha que se pode passar de uma série de enunciados singulares para um enunciado universal. Ou seja, que se pode passar de um "este é um cisne branco", "ali está outro cisne branco", e por aí adiante, para um enunciado universal como "todos os cisnes são brancos". Este método é claramente inválido em lógica, uma vez que será sempre possível que exista um cisne não-branco que por algum motivo não tenha sido observado.
Este era o Problema da indução, identificado por David Hume no século XVIII e cuja resolução é proposta por Popper.
Popper defendeu que a ciência não poderia ser baseada numa tal inferência. Ele propôs a falseabilidade como a solução do problema da indução. Popper viu que apesar de um enunciado existencial singular como "este cisne é branco" não pode ser usado para afirmar um enunciado universal, ele pode ser usado para mostrar que um determinado enunciado universal é falso: a observação existencial singular de um cisne negro serve para mostrar que o enunciado universal "todos os cisnes são brancos" é falso. Em lógica chamamos a isto de modus tollens.

Nascido em Viena em 1902 numa família de classe média de origem judia secularizada, foi educado na Universidade de Viena. Concluiu o doutoramento em filosofia em 1928 e ensinou numa escola secundária entre 1930 e 1936. Em 1937, a ascensão do Nazismo levaram-no a emigrar para a Nova Zelândia, onde ele foi professor de filosofia em Canterbury University College, Christchurch. Em 1946, foi viver para Inglaterra, tornando-se assistente (reader) de lógica e de método científico na London School of Economics, onde foi nomeado professor em 1949. Foi nomeado cavaleiro da Rainha Isabel II em 1965, e eleito para a sociedade real (Royal Society) em 1976. Reformou-se da vida académica em 1969, apesar de ter permanecido activo intelectualmente até à sua morte em 1994. Recebeu a insígnia de Companheiro de Honra (Companion of Honour) em 1982.
Popper recebeu vários prémios e honras no seu campo, incluindo o prémio Lippincott da associação americana de ciência política, o prémio Sonning, e o estatuto de membro na sociedade real, na academia britânica, London School of Economics, Kings College de Londres e o Darwin College de Cambridge.
Karl Popper Popper cunhou o termo "Racionalismo Crítico" para descrever a sua filosofia. Esta designação é significante e é um indício da sua rejeição do empirismo clássico e do observacionalismo-inductivista da ciência, que disso resulta. Apesar disso, alguns académicos, incluindo Ernest Gellner, defendem que Popper, não obstante não se ter visto como um positivista, se encontra claramente mais próximo desta via do que da tradição metafísica ou dedutiva.
Popper argumentou que a teoria científica será sempre conjectural e provisória. Não é possível confirmar a veracidade de uma teoria pela simples constatação de que os resultados de uma previsão efectuada com base naquela teoria se verificaram. Essa teoria deverá gozar apenas do estatuto de uma teoria não (ou ainda não) contrariada pelos factos.
O que a experiência e as observações do mundo real podem e devem tentar fazer é encontrar provas da falsidade daquela teoria. Este processo de confronto da teoria com as observações poderá provar a falsidade (falsify) da teoria em análise. Nesse caso há que eliminar essa teoria que se provou falsa e procurar uma outra teoria para explicar o fenómeno em análise (
Falseabilidade).
Este aspecto é fulcral para a definição da ciência. Científico é apenas aquilo que se sujeita a este confronto com os factos. Ou seja: só é científica aquela teoria que possa ser falsificável.
Uma afirmação que não possa ser confrontada com a sua veracidade pelo confronto com a realidade não é científica. Será talvez uma especulação metafísica.
Para Popper a verdade é inalcançável, todavia devemos nos aproximar dela por tentativas. O estado actual da ciência é sempre provisório. Ao encontrarmos uma teoria ainda não refutada pelos factos e pelas observações, devemos nos perguntar, será que é mesmo assim ? Ou será que posso demonstrar que ela é falsa ?
Einstein é o melhor exemplo de um cientista que rompeu com as teorias da física estabelecidas.
Popper debruçou-se intensamente com a
teoria Marxista e com a filosofia que lhe é subjacente, de Hegel, retirando-lhes qualquer estatuto científico. O mesmo em relação à psicanálise, cujas teorias subjacentes não são falsificaveis.
O seu trabalho científico foi influenciado pelo seu estudo da teoria da relatividade de
Albert Einstein.
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Comparando o método científico de Karl Popper com a visão baconiana da ciência (de Francis Bacon), Ernest Gellner (Ernest André Gellner, ou simplesmente Ernest Gellner, 1925-1995, foi um filósofo e um antropólogo social checo naturalizado britânico) afirma em "Relativism and the social sciences": a definição do método científico de Popper difere da versão baconiana de empirismo pelo seu ênfase na eliminação em vez do ênfase na verificação. No entanto eles têm em comum um determinado ponto: quer nós verifiquêmos ou falsifiquêmos, de qualquer forma fazêmo-lo com a ajuda de duas ferramentas e apenas duas: a lógica e a confrontação com os factos. As teorias são julgadas por dois juízes: consistência lógica e conformidade com os factos. A diferença entre os dois modelos situa-se apenas em saber se os factos condenam os pecadores ou canonizam os santos. Para o jovem Popper havia alguns pecadores apropriadamente certificados, mas nunca santos definitivamente canonizados.
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Thomas Kuhn (18 de Julho 1922 - 17 de Junho 1996) foi um filósofo natural dos Estados Unidos da América cujo trabalho incidiu sobre história e filosofia da ciência, tronando-se um marco importante no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico. Kuhn procura elaborar as suas teorias epistemológicas atentando mais fortemente para a história das ciências e nota que as explicações tradicionais para o avanço científico, como o indutivismo e o falseabilismo, não resistem à evidência histórica. O ponto mais importante da sua teoria foi a ênfase dada ao carácter revolucionário do próprio progresso científico. Esse progresso ocorreria mediante saltos e não numa linha contínua. Alguns dos conceitos fundamentais para sua proposta são: "paradigma", "ciência normal", "anomalia",e "revolução".

Ken Wilber defende (em seu livro "A União da Alma e dos Sentidos") que a idéia de paradigmas proposta por Kuhn tem sido abusada (a ponto do próprio Kuhn abandoná-la), apropriada por grupos e indivíduos que tentam fazê-la parecer uma declaração de que a ciência é arbitrária.
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(encyclopedie.snyke.com)