24.8.05

FOGOS

Fogos em Portugal: vandalismo e sabotagem

O nosso património florestal (e não só) está definitivamente ameaçado -- vai desaparecendo todos os anos. A recuperação desse património é uma corrida contra o tempo, com a anualidade dos fogos no país, especialmente tendo em conta os fogos de há dois anos. São duas décadas incomparáveis em Portugal. Continua o sofrimento das populações afectadas pelos fogos. Até agora não tem sido possível ao Estado controlar esta situação. Se há determinados assuntos em que os nossos políticos têm contribuído activamente para a imagem negativa da classe, este é um deles. Governantes e deputados não têm querido tratar esta questão com a importância que reveste. Perante o vandalismo, a sabotagem e principalmente, perante a perda de vidas humanas (tantas e inocentes), preferem minimizar o problema, pois sentem-se impotentes para o resolver, numa hipocrisia intolerável. Até quando?!

A questão dos fogos é evidentemente complexa. Mas não há dúvidas que, se ela subsiste nos termos actuais, há interesses velados que a alimentam. No entanto, não é assim tão difícil identificar esses interesses. Difícil tem sido o Estado actuar.

Aqui fica um artigo, entre tantos já publicados, esclarecedor.


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A indústria dos incêndios

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.

Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica? Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências? Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair? Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis? Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.

Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...

Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.

Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.

Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:

1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.

2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).

3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores

4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.

5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.

6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.

Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.

José Gomes Ferreira
(Sub-director de Informação da SIC)

Publicação: 04-08-2005 21:05

10.8.05

Leituras

Leituras

"Algarve - Todo o Mar"
Poesia. Editora: Dom Quixote. Data: 2005. Páginas: 408.

Os poetas cantam o Algarve.
Porque “o Algarve é todo um lindo minarete /
Sobre o mais belo dos Mediterrâneos” (Cândido Guerreiro).

Pelo “mistério do mar e o milagre do sol” (Miguel Torga).

Porque “ das dunas desertas tem a perfeição, /
dos pombos o rumor, /
da luz a difícil transparência /
e o rigor” (Eugénio de Andrade).

Pela “Alegria de ir ver o êxtase do mar” (Sofia de Mello Breyner Andresen).

Porque “fulgente e trémula, se espraia /
No areal dourado, a comoção das ondas”
e “há mouras encantadas, que ressurgem /
da fantasia mítica do povo” (Teixeira de Pascoaes).

Porque “as Hespérides são moças algarvias /
Todas jasmim, da testa aos calcanhares” (Natália Correia).

Porque se “vêem as estrelas enormes reluzindo através das amendoeiras” (Raul Brandão).

A presente recolha de Adosinda Providência Torgal e Madalena Torgal Ferreira reúne poemas e textos em prosa de alguns dos mais significativos autores portugueses dos séculos XIX e XX inspirados por um Algarve idílico, anterior à descaracterização a que foi, em grande parte, sujeito nas últimas décadas. Para ler e reler. Com nostalgia.