8.9.05

Democracia na actualidade

Ensaio sobre o Liberalismo
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(Brasil)
DEMOCRACIA
O MELHOR DOS REGIMES, UMA EXCEPÇÃO NA HISTÓRIA UNIVERSAL
Por Sérgio Amaral e Silva

A democracia pode ser definida como um regime em que o povo escolhe livremente seus governantes, os quais, por sua vez, respeitam os direitos individuais e humanos. Em especial para as gerações de brasileiros mais jovens, que pouco se lembram do país antes de 1985, ela (felizmente) parece um fenômeno tão natural que a constatação de como é recente chega a surpreender.

Em 26 séculos de História do Ocidente, localizamos dois breves momentos de democracia: na Antiga Grécia, por dois séculos; e nos últimos dois séculos no Ocidente moderno. Só quatro em 26! Já nos 500 anos do Brasil, só podemos identificá-la em cerca de 60 anos, intercalados por períodos de arbítrio durante nossa República.

Parece pouco? E é mesmo: estima-se que, da população mundial atual, só 20% vivem em países democráticos. Ou seja, a democracia, em que as regras fixas e universais devem prevalecer sobre a exceção, constitui, no tempo e no espaço, mais a exceção do que a regra...

Mais do que nunca (ou como sempre?), o tema está na ordem do dia. Portanto, é oportuno o lançamento de Democracia, volume em que o historiador norte-americano Robert Darnton e o cientista político francês Olivier Duhamel reuniram ensaios curtos sobre o tema de 48 autores dos dois países, que participaram de uma série de programas exibidos em 1998 pela televisão na França.

Os textos estão agrupados em cinco blocos. Nos três primeiros (história, idéias e instituições), enfatiza-se a evolução da noção de democracia da Antiga Grécia e do Iluminismo do século XVIII aos nossos dias. São discutidos ainda os principais elementos de que se compõem os regimes democráticos: os direitos fundamentais, as eleições e os partidos políticos, as leis e a justiça.

Os dois últimos segmentos da obra, dedicados aos problemas sociais e desafios, trazem os temas mais polêmicos e interessantes. Como cada tópico é desenvolvido em separado por um autor dos Estados Unidos e outro da França, é estabelecida uma espécie de diálogo que ressalta as particularidades de cada sociedade. Assim, o racismo é analisado pelo americano Randall Kennedy do ponto de vista da oposição entre negros e brancos. Já para o europeu Michael Löwy, o foco mais importante está na xenofobia.

Sobre a corrupção, Diego Gambetta (que apresenta um ranking dos países em que ela é mais presente) e Alain Etchegoyen concordam com Alexis de Tocqueville (1805-1859), o célebre autor do clássico A Democracia na América, que afirmava que o melhor remédio para os males da democracia é...
mais democracia.

Ao discutirem o papel dos meios de comunicação, Elihu Katz e Roland Cayrol propõem uma pergunta/enigma curiosa para o leitor: se os meios de comunicação podem subverter a democracia a que deveriam servir, inclusive por privilegiar o espetáculo em detrimento das "questões reais".

A respeito dos regimes antidemocráticos do Oriente Médio, vistos como um desafio mundial, principalmente depois do 11 de setembro, Shaul Bakhash considera que o retorno ao discurso religioso na região veio como resposta ao "esgotamento de governos opressores e corruptos". A renovação do islamismo seria assim "a expressão das injustiças, da miséria urbana e da exclusão".

Outro autor, Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, discorda da existência de uma dicotomia cultural global capaz de explicar o caráter ainda não-universal dos direitos humanos. Segundo essa teoria, que ele classifica de "a-histórica", enquanto o Ocidente valoriza a tolerância e a liberdade individual, o Oriente só respeita a ordem e a disciplina.

Dadas as diferenças entre as nações, é fundamental a atuação de instituições internacionais como a ONU, para "organizar o mundo". Para isso, esses organismos devem aperfeiçoar-se, ganhando em eficiência e legitimidade, concluem Stanley Hoffmann e Marisol Touraine.

Feita essa ampla reflexão sobre a democracia, cabe a cada um o empenho para aprofundar cada vez mais suas conquistas. No Brasil, por exemplo, ela exigiu muito sacrifício, sendo preciso neutralizar as mazelas que ainda a ameaçam, para oferecê-la, aprimorada, a nossos filhos. Quanto aos povos que ainda não a alcançaram, merecem nossa solidariedade. Afinal, como costumava dizer Winston Churchill (1874 -1965), "a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas".

Sergio Amaral Silva é jornalista, economista e escritor.
(revista Storm)